A Trilogia de Bill Douglas (My Childhood / My Ain Folk / My Way Home), apresentada por Maria Luís Borges de Castro e Marcos Uzal, no ciclo "Nos Caminhos da Infância" - sábado 31 de Outubro de 2015 às 15h00 e 18h30 no CAM (Fundação C.Gulbenkian)
Os factos e os locais filmados na trilogia de Bill Douglas (A Minha Infância, 1972; A Minha Gente, 1973; O Meu Caminho para Casa, 1978) são exactamente os da infância do cineasta. Esta fidelidade às suas recordações não se trata simplesmente, para ele, de contar a sua infância, como tantos fizeram, mas sim de reencontrar sensações, emoções passando-as para nós o mais claramente possível. Conta-se que o cineasta, uma pessoa doce na sua vida, era capaz, durante as filmagens, de grandes fúrias quando não obtinha o que queria. É que tinha de encarar a sua terrível infância para a expor a nu, em toda a sua verdade. Isto só podia conseguir-se com uma precisão implacável em que cada quadro e a intensidade de cada gesto respondessem, mais do que a um perfeccionismo estético, à exigência de cada plano ser como que um concentrado da memória. Através do cinema, Bill Douglas salva a sua infância. Retira-lhe a sua dor muda, conferindo-lhe um sentido e uma forma. É um gesto perturbador mas que não procura submergir-nos à força numa emoção antecipada. Sendo a infância de Jamie essencialmente uma sucessão de momentos patéticos e cruéis, a concisão da encenação evita qualquer amargura, sentimentalismo, complacência sórdida. A emoção surge nos silêncios, nas elipses, nos olhares fixos, na economia dos gestos; não se exibe mas como que se abre perante nós, plano após plano, como essas austeras dobragens japonesas que se transformam em flores quando mergulhadas na água.(...)
Marcos Uzal,
in catálogo "Nos Caminhos da Infância 1"